Crianças problemáticas e crianças com TDA
Como já foi visto, a criança TDA é em tudo mais intensa, quando em
comparação com as outras. Ela é mais colorida, mesmo que vestida em discretos
tons pastéis, já que dificilmente passa despercebida. Um aspecto distintivo entre
crianças TDAs e não-TDAs é que os sintomas de comportamento TDA
independem de problemas emocionais, ambientais e sociais. Algumas crianças
podem causar a falsa impressão de serem TDAs se estiverem passando por
problemas, constantes ou passageiros, que podem contribuir para deflagrar ou
intensificar comportamentos agitados ou falta de concentração e atenção. Uma
criança pode apresentar-se indisciplinada e com baixa tolerância à frustração e
possivelmente não ser TDA, já que na investigação de sua história pode ser
constatado que ela é oriunda de um ambiente em que características
comportamentais como disciplina e contenção não são valorizadas. Pode também
não estar recebendo atenção suficiente ou sofrendo maus-tratos. O importante é
que todos os fatores que possivelmente possam estar contribuindo para algum
comportamento inadequado por parte da criança devem ser cuidadosamente
investigados e considerados como fatores de exclusão para um diagnóstico de
TDA ou mesmo fatores que intensifiquem o TDA pré-existente. Como já foi
ressaltado, é importante ter em mente que fatores que se constituem em situações
de desconforto, precariedade e sofrimento podem até intensificar o funcionamento
TDA pré-existente de uma criança, mas não a caracterizam como TDA se ela
apresentar comportamentos semelhantes em função de suas dificuldades. O TDA
simplesmente independe de tais variáveis. É um funcionamento de origem
biológica, marcado pela hereditariedade que irá manifestar-se no comportamento
infantil já bem cedo, antes dos sete anos de idade, sendo ou não esta criança
oriunda de um ambiente hostil e estar passando por problemas. Mesmo no lar
mais estruturado e seguro uma criança TDA irá comportar-se como tal.
A intensidade do desconforto trazido para a família pode ser manejada
através de formas específicas de lidar com essas crianças. A criança TDA pode
dar tudo de si e deixar fluir sua criatividade e entusiasmo inatos se for
corretamente estimulada. Mais do que nenhuma outra, a criança TDA responde
maravilhosamente bem sob o calor do incentivo, e os elogios e recompensas constantes se constituem no melhor aditivo para a já grande quantidade de
combustível com a qual elas foram dotadas. Mas, por outro lado, também mais do
que nenhuma outra, a criança TDA murcha e se retrai sob o peso das críticas
excessivas e da falta de compreensão. Ela pode responder através de um
cabisbaixo recolhimento ou pela erupção de comportamentos agressivos e
impulsivos. Pode virar de pernas para o ar o ambiente, para que fique semelhante
à maneira como se sente interiormente: confusa e sem chão.
Dificuldades específicas da criança TDA e conclusões errôneas
É comum que as pessoas interpretem a tendência à distração e
impulsividade de uma criança TDA como sinal de parca inteligência, ou que as
considerem simplesmente como tolas, com idade mental inferior à de outras
crianças de mesma idade cronológica. O porquê disso será examinado a seguir.
Como conseqüência da hiperatividade/impulsividade, a criança TDA faz
primeiro, pensa depois. Reage irrefletidamente à maioria dos estímulos que se
apresentam. Não porque seja mal-educada, imatura ou pouco dotada
intelectualmente. Isso se deve ao fato de o TDA apresentar a área cerebral
responsável pelo controle dos impulsos e filtragem de estímulos — córtex pré-
frontal — não tão eficiente. Há um substrato orgânico determinando essa
característica. A diferença para uma criança pura e simplesmente mal-educada é
que a criança TDA sente que isso acarreta prejuízos e reprimendas. O insight
problema aumenta no decorrer do desenvolvimento e ela pode ser ensinada sobre
o que é certo e errado, e sem dúvida aprenderá (se estiver suficientemente atenta,
é claro). Justamente por isso consegue entrever as conseqüências de seu
comportamento impulsivo, mas, tendo dificuldades em contê-lo, sofre e absorve
todas as críticas que desabam incessantemente sobre ela. Se essa criança não for
efetivamente o que se considera uma criança mal-educada (embora a junção
dessas duas características possa ocorrer, de alguma forma sentirá essa
inadequação, além de ouvir as constantes reprimendas. Ela sofre. Sendo muito
nova para refletir sobre tais questões ainda tão complexas de convivência social e
outras em que o controle de seus impulsos seja necessário e desejável, se sentirá
deslocada e, de alguma forma, defeituosa.
Tampouco pode ser considerada pouco inteligente por isso. Na verdade,
com extrema freqüência, a criança TDA é bastante inteligente e criativa. Pode
aparentar imaturidade em relação a outras crianças de mesma idade, no aspecto
emocional e no comportamento manifesto, mas não em relação à capacidade
cognitiva. Com o tratamento adequado, aquela criança aparentemente imatura
equipara-se às demais.
No que concerne às características de desatenção, esta criança também
pode ser considerada tola ou pouco inteligente por quem desconhece o problema.
O fato é que a criança TDA é constantemente inundada com estímulos que não
consegue filtrar corretamente. A conseqüência mais evidente é que ela parece não
conseguir priorizar. Característica que, aliás, é levada adiante na vida adulta. É um
tanto comum que tenha dificuldades em aprender ou memorizar, isso porque não
consegue sustentar a atenção e se manter concentrada por tempo suficiente, com
a intensidade adequada; e não porque não possa, não queira, ou porque seja pouco capaz. Freqüentemente não termina as tarefas que começa, porque algum
estímulo a atrai irresistivelmente. Até que um outro estímulo a atraia e também
abandone o anterior e assim sucessivamente, até que por fim se sinta
sobrecarregada, confusa e não termine o que começou a fazer lá no início. Não
que seja exatamente ”esquecidinha” ou ”cabeça-de-vento”, mas o turbilhão de
acontecimentos e coisas por fazer em sua mente acabam lhe trazendo problemas
em reter informações e dar cabo de suas tarefas. Com tantos pensamentos e
imagens ocupando sua mente, sua memória pode ser mais bem definida como
”vaga lembrança”. Por exemplo, é muito comum que a criança TDA, assim como o
adulto, passe por situações como esta: ela está na sala fazendo algo, dá-se conta
de que precisa de alguma coisa que está no quarto, e no caminho de um cômodo
para outro esquece-se do que ia fazer. Ainda por cima, pode ver alguma coisa
neste ínterim e também esquecer de continuar o que estava fazendo na sala. O
que aconteceu no trajeto entre a sala e o quarto? Ela estava ”caraminholando”,
como se diz. Pensando em várias coisas ao mesmo tempo, na alta velocidade do
cérebro TDA. Por que esquece o que estava fazendo na sala? Porque não
conseguiu filtrar o novo estímulo que se apresentou. Foi atraída para ele, em vez
de deixá-lo para depois, para quando concluísse a primeira tarefa. E assim
repetidamente até não conseguir terminar nada do que começou e nem reter
informações por tempo suficiente. Diferentemente de uma pessoa com
dificuldades intelectivas, ela se dá conta do prejuízo que isso acarreta, percebe o
que está acontecendo de errado e sofre. Em uma criança, esses prejuízos podem
ser percebidos mais intuitiva do que racionalmente.
Assim, o que foi visto até aqui é que crianças TDAs possuem dificuldades
muito específicas derivadas de seu também muito específico funcionamento
cerebral, e que isso não deve ser confundido obrigatoriamente com tolice, má-
educação ou dificuldades intelectuais. Só que, como é enorme o desconhecimento
do problema, é exatamente isso o que acontece na grande maioria dos casos. Não
se precisa descrever o enorme rombo causado na auto-estima de crianças que
assim são rotuladas, que ouvem diariamente esses rótulos que lhes atribuem e
dos quais não sabem como podem se defender. Afinal, elas nem sabem que
podem se defender. Elas acabam mesmo acreditando em tudo o que se diz delas,
sob a forma do olhar desaprovador da reprimenda ou do ar complacente do
sentimento da pena.
Em família pode-se observar claramente o desenrolar desse processo. A
criança TDA (principalmente a hiperativa/impulsiva) com freqüência é punida com
castigos físicos e é comum que seja julgada pejorativamente como mal-educada,
insuportável e até mesmo má. Não são poucos os comentários que se fazem do
caráter de uma criança TDA. Ela costuma ouvir sobre o quanto é má e do quanto
”papai do céu” irá castigá-la. Até mesmo previsões de seu futuro acaba ouvindo,
de como será uma pessoa desagradável e impopular e outros comentários do tipo
”se você morrer hoje, ninguém irá ao seu enterro”. Como realmente tem
dificuldades de controlar seus impulsos e se mete em confusões e
desentendimentos em família e com outras crianças, acaba acreditando no que lhe
dizem. Preocupa-se com castigos divinos e se irá para o inferno. Esse protótipo de
”pestinha” ouve diariamente uma avalanche de ”nãos”, ”pára”, ”sai daqui”, ”fica
quieto”, muito mais do que qualquer outra criança. Não é difícil chegar à conclusão de que essa criança sentirá que há algo errado e que ela é um estorvo. Com
freqüência maior que a média, crianças TDAs, principalmente as mais hiperativas,
expressam seu sofrimento e sentimento de rejeição, ora dizendo que irão fugir de
casa, ora que são ”infelizes” e querem se matar.
Como se não bastasse, a criança TDA também pode ocupar o lugar de
bode expiatório da família, principalmente entre os irmãos. Embora todos
reclamem o quanto de aborrecimentos essa criança traz para o meio familiar e o
quanto seria melhor se ela não existisse, crises inexplicáveis poderão surgir em
família se começar a ser tratada adequadamente e surgirem resultados positivos.
Paradoxalmente, o tratamento pode até ser boicotado se a sua melhora ameaçar o
sistema familiar que encontrou seu ponto de equilíbrio nessa criança problemática.
Um exemplo claro é o fato de os irmãos se acostumarem na cômoda posição de
filhos ”normais” e, engenhosamente, colocarem a criança TDA na posição de
culpada e causadora de todas as brigas. Mesmo quando ela não for, dar-se-á um
jeito e prontamente lá estará ela na posição de ré novamente. E, como é freqüente
ela causar confusões mesmo, os pais e/ou cuidadores tenderão a pensar dessa
forma, sem se preocupar com uma investigação mais detalhada dos conflitos.
Por outro lado, também não parece justo acusar impiedosamente os pais
e/ou cuidadores e a família por tudo. Imagine o transtorno causado por uma
criança que literalmente ”quica” pelas paredes, parece ser incansável e não tem
hora nem lugar para brincar, mesmo que seja bater bola na sala, em meio a todos
os móveis e objetos de valor, ou então que vive literalmente no mundo da lua.
Freqüentemente, as situações provocadas pela impulsividade ou distração da
criança DDA detonam brigas entre outros membros da família. O pai briga com a
mãe, o irmão com o pai, a mãe com a avó e todos com a criança! Alguns membros
da família são acusados de serem severos demais e outros, complacentes. E
ninguém entende nada quando percebem que a mesma criança que não consegue
se concentrar nos deveres escolares, passa horas a fio grudada no vídeo game.
Ora, para quem não compreende as características da síndrome, a conclusão
aparentemente óbvia é que ela não ”quer nada com a hora do Brasil”.
O mais importante é buscar informações sobre o comportamento
inadequado da criança, antes de se concluir que ela apresenta ”caráter duvidoso”
ou que é simplesmente grosseira. Quanto mais informações e educação acerca do
transtorno, melhor para a criança e a família. No decorrer do tratamento, a família
recebe algumas orientações sobre como proceder em situações específicas.