segunda-feira, 3 de março de 2014

Dificuldades Específicas da criança TDA e Conclusões Errôneas

por Ana Beatriz Barbosa Silva
Livro Mentes Inquietas, Edição Revisada e Ampliada, FONTANAR, 2009. 


Com a intenção de facilitar o acesso ao conhecimento a quem não pode pagar e também proporcionar a oportunidade de conhecerem um pouco da obra. Escolhi um título... Distinguindo a criança TDA...
a necessidade de se ajustar às regras: o bode expiatório da família.

É comum que as pessoas interpretem a tendência à distração e 
impulsividade de uma criança TDA como sinal de parca inteligência, ou que as 
considerem simplesmente como tolas, com idade mental inferior à de outras 
crianças de mesma idade cronológica. O porquê disso será examinado a seguir. 
 Como consequência da hiperatividade/impulsividade, a criança TDA faz 
primeiro, pensa depois. Reage irrefletidamente à maioria dos estímulos que se 
apresentam. Não porque seja mal-educada, imatura ou pouco dotada 
intelectualmente. Isso se deve ao fato de o TDA apresentar a área cerebral 
responsável pelo controle dos impulsos e filtragem de estímulos — córtex pré-
frontal — não tão eficiente. Há um substrato orgânico determinando essa 
característica. A diferença para uma criança pura e simplesmente mal-educada é 
que a criança TDA sente que isso acarreta prejuízos e reprimendas. O insight 
problema aumenta no decorrer do desenvolvimento e ela pode ser ensinada sobre 
o que é certo e errado, e sem dúvida aprenderá (se estiver suficientemente atenta, 
é claro). Justamente por isso consegue entrever as conseqüências de seu 
comportamento impulsivo, mas, tendo dificuldades em contê-lo, sofre e absorve 
todas as críticas que desabam incessantemente sobre ela. Se essa criança não for 
efetivamente o que se considera uma criança mal-educada (embora a junção 
dessas duas características possa ocorrer, de alguma forma sentirá essa 
inadequação, além de ouvir as constantes reprimendas. Ela sofre. Sendo muito 
nova para refletir sobre tais questões ainda tão complexas de convivência social e 
outras em que o controle de seus impulsos seja necessário e desejável, se sentirá 
deslocada e, de alguma forma, defeituosa. 

 Tampouco pode ser considerada pouco inteligente por isso. Na verdade, 
com extrema frequência, a criança TDA é bastante inteligente e criativa. Pode 
aparentar imaturidade em relação a outras crianças de mesma idade, no aspecto 
emocional e no comportamento manifesto, mas não em relação à capacidade 
cognitiva. Com o tratamento adequado, aquela criança aparentemente imatura 
equipara-se às demais. 
 No que concerne às características de desatenção, esta criança também 
pode ser considerada tola ou pouco inteligente por quem desconhece o problema. 
O fato é que a criança TDA é constantemente inundada com estímulos que não 
consegue filtrar corretamente. A conseqüência mais evidente é que ela parece não 
conseguir priorizar. Característica que, aliás, é levada adiante na vida adulta. É um 
tanto comum que tenha dificuldades em aprender ou memorizar, isso porque não 
consegue sustentar a atenção e se manter concentrada por tempo suficiente, com 
a intensidade adequada; e não porque não possa, não queira, ou porque seja pouco capaz. Frequentemente não termina as tarefas que começa, porque algum 
estímulo a atrai irresistivelmente. Até que um outro estímulo a atraia e também 
abandone o anterior e assim sucessivamente, até que por fim se sinta 
sobrecarregada, confusa e não termine o que começou a fazer lá no início. Não 
que seja exatamente ”esquecidinha” ou ”cabeça-de-vento”, mas o turbilhão de 
acontecimentos e coisas por fazer em sua mente acabam lhe trazendo problemas 
em reter informações e dar cabo de suas tarefas. Com tantos pensamentos e 
imagens ocupando sua mente, sua memória pode ser mais bem definida como 
”vaga lembrança”. Por exemplo, é muito comum que a criança TDA, assim como o 
adulto, passe por situações como esta: ela está na sala fazendo algo, dá-se conta 
de que precisa de alguma coisa que está no quarto, e no caminho de um cômodo 
para outro esquece-se do que ia fazer. Ainda por cima, pode ver alguma coisa 
neste ínterim e também esquecer de continuar o que estava fazendo na sala. O 
que aconteceu no trajeto entre a sala e o quarto? Ela estava ”caraminholando”, 
como se diz. Pensando em várias coisas ao mesmo tempo, na alta velocidade do 
cérebro TDA. Por que esquece o que estava fazendo na sala? Porque não 
conseguiu filtrar o novo estímulo que se apresentou. Foi atraída para ele, em vez 
de deixá-lo para depois, para quando concluísse a primeira tarefa. E assim 
repetidamente até não conseguir terminar nada do que começou e nem reter 
informações por tempo suficiente. Diferentemente de uma pessoa com 
dificuldades intelectivas, ela se dá conta do prejuízo que isso acarreta, percebe o 
que está acontecendo de errado e sofre. Em uma criança, esses prejuízos podem 
ser percebidos mais intuitiva do que racionalmente. 

 Assim, o que foi visto até aqui é que crianças TDAs possuem dificuldades 
muito específicas derivadas de seu também muito específico funcionamento 
cerebral, e que isso não deve ser confundido obrigatoriamente com tolice, má-
educação ou dificuldades intelectuais. Só que, como é enorme o desconhecimento 
do problema, é exatamente isso o que acontece na grande maioria dos casos. Não 
se precisa descrever o enorme rombo causado na auto-estima de crianças que 
assim são rotuladas, que ouvem diariamente esses rótulos que lhes atribuem e 
dos quais não sabem como podem se defender. Afinal, elas nem sabem que 
podem se defender. Elas acabam mesmo acreditando em tudo o que se diz delas, 
sob a forma do olhar desaprovador da reprimenda ou do ar complacente do 
sentimento da pena. 
 Em família pode-se observar claramente o desenrolar desse processo. A 
criança TDA (principalmente a hiperativa/impulsiva) com frequência é punida com 
castigos físicos e é comum que seja julgada pejorativamente como mal-educada, 
insuportável e até mesmo má. Não são poucos os comentários que se fazem do 
caráter de uma criança TDA. Ela costuma ouvir sobre o quanto é má e do quanto 
”papai do céu” irá castigá-la. Até mesmo previsões de seu futuro acaba ouvindo, 
de como será uma pessoa desagradável e impopular e outros comentários do tipo 
”se você morrer hoje, ninguém irá ao seu enterro”. Como realmente tem 
dificuldades de controlar seus impulsos e se mete em confusões e 
desentendimentos em família e com outras crianças, acaba acreditando no que lhe 
dizem. Preocupa-se com castigos divinos e se irá para o inferno. Esse protótipo de 
”pestinha” ouve diariamente uma avalanche de ”nãos”, ”pára”, ”sai daqui”, ”fica 
quieto”, muito mais do que qualquer outra criança. Não é difícil chegar à conclusão de que essa criança sentirá que há algo errado e que ela é um estorvo. Com 
freqüência maior que a média, crianças TDAs, principalmente as mais hiperativas, 
expressam seu sofrimento e sentimento de rejeição, ora dizendo que irão fugir de 
casa, ora que são ”infelizes” e querem se matar. 
 Como se não bastasse, a criança TDA também pode ocupar o lugar de 
bode expiatório da família, principalmente entre os irmãos. Embora todos 
reclamem o quanto de aborrecimentos essa criança traz para o meio familiar e o 
quanto seria melhor se ela não existisse, crises inexplicáveis poderão surgir em 
família se começar a ser tratada adequadamente e surgirem resultados positivos. 
Paradoxalmente, o tratamento pode até ser boicotado se a sua melhora ameaçar o 
sistema familiar que encontrou seu ponto de equilíbrio nessa criança problemática. 
Um exemplo claro é o fato de os irmãos se acostumarem na cômoda posição de 
filhos ”normais” e, engenhosamente, colocarem a criança TDA na posição de 
culpada e causadora de todas as brigas. Mesmo quando ela não for, dar-se-á um 
jeito e prontamente lá estará ela na posição de ré novamente. E, como é freqüente 
ela causar confusões mesmo, os pais e/ou cuidadores tenderão a pensar dessa 
forma, sem se preocupar com uma investigação mais detalhada dos conflitos. 
 Por outro lado, também não parece justo acusar impiedosamente os pais 
e/ou cuidadores e a família por tudo. Imagine o transtorno causado por uma 
criança que literalmente ”quica” pelas paredes, parece ser incansável e não tem 
hora nem lugar para brincar, mesmo que seja bater bola na sala, em meio a todos 
os móveis e objetos de valor, ou então que vive literalmente no mundo da lua. 
Freqüentemente, as situações provocadas pela impulsividade ou distração da 
criança TDA detonam brigas entre outros membros da família. O pai briga com a 
mãe, o irmão com o pai, a mãe com a avó e todos com a criança! Alguns membros 
da família são acusados de serem severos demais e outros, complacentes. E 
ninguém entende nada quando percebem que a mesma criança que não consegue 
se concentrar nos deveres escolares, passa horas a fio grudada no vídeo game. 
Ora, para quem não compreende as características da síndrome, a conclusão 
aparentemente óbvia é que ela não ”quer nada com a hora do Brasil”. 
 O mais importante é buscar informações sobre o comportamento 
inadequado da criança, antes de se concluir que ela apresenta ”caráter duvidoso” 
ou que é simplesmente grosseira. Quanto mais informações e educação acerca do 
transtorno, melhor para a criança e a família. No decorrer do tratamento, a família 
recebe algumas orientações sobre como proceder em situações específicas. 

Eu vivo sempre no mundo da lua. 
Tenho alma de artista 
sou um gênio sonhador 
e romântico. 
Pegar carona nessa cauda de cometa. 
Ver a Via-láctea, 
estrada tão bonita 
Brincar de esconde-esconde 
numa nebulosa. 
Voltar pra casa 
nesse lindo balão azul. 

Balão Mágico

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